quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Como fazer uma dança




(...)


PASSO CINCO



É isso. Tenho certeza de que a casa conspira contra mim. Quando não me encara, ficam os móveis soltando risinhos abafados. Ela sussurra teu nome repetidas vezes até que eu passo a acreditar que a voz vem da minha cabeça. Acho que ela te esconde em algum canto. Acho que te quis para que fosses só dela. Odeia-me essa casa. Quer expulsar-me daqui. Odeia-me porque me viu tão sólida ao teu lado. Mais sólida que ela, mulher feita de carne, ossos, sangue e homem, contra essa coisa de cal. Roubaram-te de mim, todos os malditos aposentos desse quadrado. Abro todos os móveis, no armário embaixo da cozinha, na estante da sala... não estás... Entre as roupas do guarda-roupa, debaixo da cama... nada. Dentro da TV, da geladeira, do microondas... Não te perderia por nada essa infame. Mas também eu sei me impor. Estaca na mão, derrubo todas as paredes, uma a uma, pedaço por pedaço, rodopiando pela sala, esfarelando os blocos que caem ao chão. Eu venço enfim, quando ouço um ruído bem acima da minha cabeça. Era no teto que ela te escondia e tu passavas as horas a observar cada passo meu. O teto rangendo é o pedido de clemência da casa, mas eu rio bem alto e continuo a bater a estaca com força. O teto começa a ceder e eu abro bem os braços num abraço todo teu. E o teto desaba sobre mim, esmagando meu corpo esticado no chão.


Foto de Salvador Dalí

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