terça-feira, 24 de abril de 2012

E o que é que a vida vai fazer de mim?


(La Toilette - Henri de Toulouse-Lautrec)


Diz que eu preciso ser feliz, que esse é meu dever, que me condena à felicidade, diz que felicidade é o que você me deseja sempre, sempre, sempre. Que pela sua lei, eu era obrigada a ser feliz. Repete: que seja doce. Mas fugiu no mundo sem me avisar, né?

Eu costumava me rir toda da nossa quimera sem prumo. Andava nua pelo meu país, achava uma graça ser a noiva do cowboy, pouco me dava se haviam outras três. Mas essa palavra – felicidade – é um peso, sabe? A gente anda melhor quando anda distraído. É só parar pra pensar e pronto! Ela já não existe. Ela é sempre o quase.

Não fuja não... eu só quero dizer, mais nada. Não é que agora a gente tenha medo, não é isso... mas é que felicidade é uma irrealidade complexa. Tarefa árdua para quem se imaginava num destino delicado. Tem que trincar os dentes, abrir os punhos quando eles quiserem cerrar. Depois do tempo da maldade (sim, a gente passou por ele) a felicidade chegaria no tempo da delicadeza? Nem sei. Penso que felicidade só pode ser plena de si, se aceitar trazer também as durezas.

Meu bem, da próxima vez me obrigue a algo mais simples, sim? Deseje-me sólida ou fluida, quem sabe pedra, talvez uma guerra, um espinho, uma asa. Até um cavalo que só fale inglês. Estar obrigada à felicidade tem sido impiedoso, torna fatal que o faz de conta termine sempre assim.

domingo, 15 de abril de 2012

Cartas de Ana (carta nº 2)

Aonde vai Valentim? Meu menino das horas, correndo entre ruas vulgares, onde pretende chegar? Valente, como só se faz quando tocado no abismo de si. Tem a coragem de andar até os extremos, mesmo sem ver o chão.
Eu me alimento e me sufoco com a mesma matéria: sua coragem de arrancar uma a uma as pedras que vão formando os seixos do rio; arriscando o expandir mesmo sabendo que há o risco do secar.
Se eu te falo agora, é por querer te contar... Ouça Valentim, eu não sou oca. Eu sou só dura; às vezes opaca também. E se escarneço de mim mesma é para não ter que enfrentar a lida de quem olha de perto um precipício, como se fosse um presságio. Eu vejo você pular assim, quase sorrindo. Por um instante, penso em estender as mãos e te segurar; dizer perto do ouvido: “tem cuidado”. Mas se descuido e penso um pouco mais, logo meu impulso se torna o contrário e desejo de te empurrar ao fundo, para que não titubeie e para que, ao te levar até à beira, eu deixe o meu rosto a mostra e o fundo possa me encarar também. Pensar um pouco mais sempre foi uma armadilha para mim.
Valentim, seguiria contigo até o fim. Até que o nada se fizesse óbvio; cor de magenta. Mas somos sós, não somos? Escolhemos seguir. Em cólera. Acho que sim. Guardo essa amnésia que vez ou outra me assusta com seus lampejos de um ontem, lampejos que me fazem suspeitar da existência de outros possíveis, reticências infindas.
Valentim, meu menino inventado, eu vou me esquecendo até dos toques – que aos poucos vou chamando de arrepios – mas tentarei lembrar as cores. Já quase te esqueço e sei que é injusto pedir, mas, que seja pela generosidade de emprestar substância aos meus passos ou por pura distração, me guarde contigo, sim?
Se eu te falto agora... eu acho que já vou esquecendo meus porquês.