Eu ando pelo mundo prestando
presto atenção em cores que eu não sei o nome.
Daí paraliso e estremeço quando
um vermelho súbito toma de rompante o meu dia, mancha minha semana. Espirra na
cara fazendo sujeira, gritando a ofensa que só um vermelho tão inesperado, mas
tão anunciado, poderia trazer. Vou limpando com calma a bagunça feita pelo
vermelho, aparando as arestas de uma dor que não é minha, nem sua.
Quem é ela? Quem é ela?
Ela é o
vermelho na calçada. E eu vejo tudo enquadrado.
Vou pensando devagar que o borrão
vermelho vai apagar, dando lugar aos poucos a um breve azul, e logo existirão
cores outras. Daí, pum, um estampido, outro vermelho, mais uma mancha. Esse
mais contido. Esse logo fica roxo e cinza. E a gente fica querendo ver um pouco
mais de cores outra vez.
Esqueço.
Lembro.
Esqueço.
Lembro
outra vez.
Considere a real dificuldade que
tenho em lidar com a linearidade do tempo. Considere que há durezas que ninguém
deveria aprender. Deixa eu te dizer: meu amor, eu acordei. E havia uma multidão
ao lado, cada um olhando pra um lugar diferente do outro, cada um parecendo
mais perdido, outros sem sequer perceber que estavam perdidos. Considere a
minha vontade (que você já flagrou antes) de levantar sorrateira e sumir da
cena. Considere a minha também real dificuldade em expor fragilidades. Entenda
que há dias que parecem anos embotados de solidão.
As noites têm sido cheias
demais, e cada vez que acordo parece que mais um ano se passou. Tome posse
disso - eu te permito essa posse por hoje – e me deixe dormir até que eu
encontre sentidos outros para o que, na verdade, não faz sentido algum. Aceito
ajuda pra tecer um tapete novo que se finja chão para os pés. Essa noite, o que eu
queria era te dizer do menino, mas não consigo. Talvez porque ele fosse tão duro,
tão opaco, tão ele mesmo, tão cheio de histórias que eu não conhecia. Eu queria
dizer que ele tinha cor, mas eu não sei. Queria dizer que ele tinha voz, mas eu
não sei. Queria dizer que ele tinha vida, mas ela acaba e nem isso eu sei
ainda.
Eu percebo que está tudo embolado
por aqui, mas considere tudo, os dias que seguem, e, por favor, entenda que essa noite eu só preciso
dormir sem sonhos. Também eu não gosto do que se lê aqui, mas escrevo só pra ver
se cala.
Você sabia que a história acabava
assim, não sabia? Só não queria dizer. Eu sabia também. Mas, pra não sair da
rotina, eu preferia não saber.