quinta-feira, 19 de setembro de 2013

André,

(Quando setembro acabar, será que leva meus morangos? Comprei caixas e mais caixas e agora não sei bem o que fazer.)

Fiquei me lembrando do tempo longe, quando era criança e gostava de tirar o relógio da parede da sala, quando ninguém mais via, e brincar de voltar os ponteiros. Daí observar como eles seguiam de novo e de novo, insistentes que eram em chegar ao ponto que tencionavam. Nunca conheci nada tão obstinado quanto um ponteiro de relógio, e era consternada, cheia de raiva e de admiração que constatava isso.

Não gostava de pensar no tempo, seu passeio pelos rosto, a marcas que deixa no corpo, a distância em que põe as lembranças, tudo ficando meio opaco. Furtava-me a esse embate, - achando tolamente que se tratava de um embate. A gente sabe – não sabe? – piora em setembros, quando, além das agonias do tempo, vem essa vontade de esmagar os morangos com as pontas das unhas só pra ter a fruta desmanchando. Lamber os dedos, estranhar o gosto e não saber ao certo o porquê do que acabara de fazer. Essa fome de salivas, resgates e esquecimentos.

Divido contigo o meu tempo não para te pedir substância, como antes, mas porque te vi vestido de cinza-tédio e com isso senti aumentar a minha inquietação.  Há pouco, venho tentando fazer as pazes com o tempo, resolver as birras de criança e, quem sabe então, aceitar melhor o risco dos saltos. Acho que tem mais cor assim, queria te dizer.

André, encara meu segredo que é de um absurdo sem fim, antes que eu o guarde de novo dentro de uma árvore. Dessa vez sou eu que te dou a mão. Estica a língua e come o morango, que o tempo é doce, embora rude. Não há que se esperar outro convite para o chá ou que outro coelho perdido venha nos resgatar, o ponteiro vai seguir mesmo enquanto a gente fixar o olhar. Deixa gotejar cansado. Eu tenho aceitado que o tempo passeie por mim, deixa ser também.

Ana.