(Aposto que era ela. A moça que espreitava da janela.)
Aposto que é lunar. Que tem quatro fases, mas que a gente só
sabe disso quando apura o olhar. E quem não olha bem, não faz ideia e, assim,
sem nem desconfiar, perde o melhor da festa. Aposto que, de tão distraída, ela é
a mais atenta; e sabe dizer sem nem piscar quem é quem e como tudo se encontra
ao redor. Mas não diz por que tem medo de se mostrar. Aposto que entende das
cores, e conhece todas as nuances, mesmo quando estão todas misturadas.
Aposto que ela é a moça da palavra, da voz, da música
invadindo a casa. Aposto que ela às vezes esconde o jogo e finge ser só mulher.
E que quando você pensa nela, pensa logo em vida turbilhonando, pensa em
movimento, em força e em danação também, porque ela é um e outro extremo.
Aposto que ela é de Leão e o ascendente eu não sei, por que
entendo pouco mesmo de zodíaco. Aposto que gosta de tudo e de coisa nenhuma. E que tem fama de debochada, se ri de tudo e
de todos, mas tem um cadinho de medo de chorar. Aposto que se guarda e gosta de
dizer que é moça de respeito e cuidado, mas sonha com abismos, velocidades e
décimo andar. Aposto que ela quer a queda livre.
Aposto que ela chora e que quando você pensa que acabou, ela
chora um pouco mais. E antes que você se angustie com tanto azul, eu digo que ela
o faz porque é de mar, e assim ela transborda. Nem se dá conta, nem sabe ao
certo dizer, mas transborda. E como mar, ela esconde um mundo sob a superfície
que tanto pode ser calma, quanto bravia. Se faz de absoluta, mas vem cheia de
caprichos. Se recolhe e se espalha. Te entrega a vida, mas leva um pedacinho seu
que você esquecia ao lado, indiferente.
Aposto que as madeixas são longas, e que ela ri com o corpo
todo, até com os cílios postiços que traz colados aos olhos. E que, quando ri,
olha de soslaio para os lados, enquanto os lados todos, indisfarçadamente, olham
pra ela. Aposto que ela deslumbra quem está perto e, flagrando desconcertados o
deslumbre, alguns o fantasiam de reprovação; mas é puro deslumbre, é sim.
Aposto que ela dança, que mergulha a mão no fundo do chão à
procura de substância, que traz o andar carregado de promessas. Que ela quer
ser vista, mas mais que isso, ela quer ser imaginada.
Aposto que procura remédios ou remendos para a alma; não só a dela, mas de
outros também. Aposto que agora não é o bastante e que mesmo o futuro nunca vai
ser, porque ela quer mais, e sempre mais, e mais um pouco ainda. E que ela me
deixa sem fôlego, e te deixa sem fôlego, e deixa a senhorinha sentada ao canto
sem fôlego, com tanto ser e querer.
Aposto que ela espreita agora.
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