terça-feira, 10 de maio de 2011

45 minutos

(Eu tenho uma amiga que sempre diz que acredita que existem pessoas iguais umas às outras, mas que essas pessoas iguais habitam universos paralelos que não podem nunca se encontrar. Se algum dia duas delas se encontrarem... sei lá... acho que tem um colapso mundial. Não estou muito certa do que acontece. Mas lembrei disso agora)
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Será essa a vida? A derradeira, única, definitiva?
Feche os olhos. Devagar você vai sentir a máquina deixar o chão. E por mais que force os pés no piso, você não está em terra firme: você está voltando para casa. E esta é a vida. A sua. Devagar, conte... 10, 9, 8... e se o relógio girasse ao contrário? E o sentido não fosse horário.
Você está num quarto de hospital sem conseguir abrir os olhos. Ouve várias pessoas indiferentes conversando ao redor. Você é a paciente do 206. Você sabe que está desacordada, mas percebe todos os sentidos (aqui, eles não são horários). E você está confusa, não estava ainda agora num avião voltando para casa? Ainda sem abrir os olhos, você sabe que a enfermeira que lhe prepara a medicação é incrivelmente parecida com você. Imagina que ela logo vai deixar o plantão, soltar os cabelos e se preparar para uma noitada com os amigos. Você queria abrir os olhos, tirar esse tubo da seca boca e dizer: “Ei, estou aqui, estou viva, estou consciente, não me deixem ainda, me leve com vocês...” Mas eles já saem. Continue contando... 7, 6, 5...
Acabou de mergulhar na piscina azul. Nesse momento, em volta, as pessoas estão conversando alto sobre tudo e coisa nenhuma. Bem agora você só sente a água em volta de todo seu corpo que, só assim, começa a parecer sólido, uma forma com contornos mais ou menos definidos. Antes se sentia fluida como se não pudesse caber. Você adora sentir a água entre os dedos, separando os fios dos cabelos. Mergulha um pouco mais fundo e pensa em abrir os olhos e soltar a respiração devagar... aí você conta... 4, 3...
E continua dançando. Tem tanta gente em volta e as luzes piscam tanto que você não consegue ver bem o rosto de ninguém. É tudo um borrão tão mal definido, que não faz diferença, na verdade você nem tem certeza se os olhos estão abertos ou fechados. As pessoas esbarram em você o tempo todo e, mesmo assim, você tem a impressão de que não há ninguém por perto e de que é a única ali, deixando seu corpo ir como quiser na batida da música, tão alta que provavelmente te fará acordar meio surda pela manhã. Mas você nem pensa nisso. A boca seca, você precisa de outra bebida, isso sim. Mas, antes, por um instante, tira os pés do chão outra vez, sempre no ritmo da dança, e conta... 2, 1...
Abre os olhos devagar. Os pés ainda estão no alto, mas a música parou. Tem um rosto conhecido ao seu lado, um copo de água na mão, a pressão do avião deixou seu ouvido quase surdo, mas você ainda consegue ouvir a aeromoça dizendo num inglês horrível que já vão pousar. Você está voltando para casa. E essa é a vida. A de verdade. A máquina toca de novo o chão. Seus olhos estão abertos. Você pensa que afinal é sempre bom chegar. Você sabe: essa é a vida. A sua. Será?

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