segunda-feira, 13 de dezembro de 2010




Eu queria comer essa hora.

Queria comer essa hora de agora, como se ela fosse uma ameixa, toda cor de vinho, sumarenta, quase explodindo de tanto querer-ser.

Morder o relógio, os ponteiros, mesmo o ar em volta dessa hora. Mastigá-la, comê-la, seduzi-la. No entanto, um minuto mais e ela acaba.

Eu espero o dia seguinte, espero que a hora volte. Quando a vejo outra vez é aquele mesmo sentimento: exaltação, ansiedade, desesperp, o sangue quase saltando das veias, tanta intensidade de vida querendo jorrar de mim.

Sei que tem gosto enfim, sei que tem gosto novamente, e fico esperando poder prová-lo. Pego-me imaginando e, enquanto isso, pronto; ela se foi, acabou-se. Resta-me só o amanhã.

Não entende o que eu digo? Não precisa. Só penso em dividir um pouco isso que sinto ao contemplar o relógio e vê-la ali marcada, de novo cheia de sensações. Não é a hora do presente, não é a hora em que algo acontece, é a hora do instante que vem logo antes do presente, do vir-a-ser, aquela em que a consciência de que se sente, de que se é vivo, de que se respira, ganha força, invade e toma tudo que encontra.

Depois, são as horas que se seguem, depois é retomar a vida, depois é o ritmo de ontem que tende a voltar. Pouco importa o que vem depois. Eu quero comer essa hora de agora, torná-la parte de mim, esmiuçar o seu segredo de antecipação. Eu quero tomar o suco que escorre dessa hora e já me derreto toda em segredos ainda não formados a partir dela. Eu quero comer essa hora e poder esquecer do que não será depois.






("O resto é mar, é tudo que eu não sei contar")
.
.
.

Um comentário:

  1. gosto de novamente. que repete, repete, repete sem fim. o gosto fino da hora. o gosto triste da hora. o gosto da hora. doce. a hora é amarga e depois repete: agora doce. a hora salga o mar.

    ResponderExcluir